Diante do majestoso rio Amazonas e seus afluentes, uma ilha mistura magia, encanto e beleza. O amor e a paixão são manifestados pela emoção dos torcedores que se vestem de azul ou de vermelho durante o mês de junho. A cidade de Parintins, enraizada no coração da floresta amazônica, recebe milhares de pessoas todos os anos para um dos maiores eventos culturais do País: o Festival Folclórico de Parintins. 

A festa, com os bois bumbás Garantido (boi branco com o coração na testa) e Caprichoso (touro negro com estrela na testa), une cor, ritmos e lendas: um espetáculo que faz brotar aos olhos a imensa riqueza cultural da Amazônia. Um verdadeiro resgate das tradições e raízes do homem da floresta. A festa grandiosa consome meses ininterruptos de trabalho de centenas de artistas parintinenses, que com o toque das mãos produzem obras grandiosas.

Parintins fica a 369 quilômetros de Manaus, capital do Amazonas. Os triciclos decorados são as principais atrações e levam os visitantes para os dois lados da cidade. A temporada bovina movimenta o turismo, a economia local e inicia ainda no mês de março, com eventos realizados pelos dois bumbás em forma de ensaios que são acompanhados de perto pelos amantes do ritmo “dois pra lá e dois pra cá”. O Festival de Parintins acontece há mais de 50 anos e já foi visto por gente de todo o Brasil e do mundo.

Na ilha, o visitante é levado a escolher um lado e não pode, em hipótese nenhuma, falar o nome do boi contrário. A divisão da cidade em duas cores é evidenciada em cada detalhe. A Catedral de Nossa Senhora do Carmo é o marco dessa divisão. Do lado esquerdo é Garantido, onde tudo é vermelho, do outro é Caprichoso, onde o azul predomina.    

O confronto entre Garantido e Caprichoso movimenta os amazonenses e os visitantes que invadem a ilha tupinambarana no último fim de semana de junho. Muitos não perdem esses três dias de festa por nada. Uma manifestação centenária e grandiosa, que encanta e canta o lema de preservação da Amazônia.

O espetáculo, repleto de simbolismo regional, representa os povos indígenas e o homem ribeirinho do Norte do Brasil. Uma manifestação cultural que fala da  biodiversidade da Amazônia, da riqueza das tradições, festejos e celebrações religiosas, além de exaltar a  miscigenação entre o índio, o branco, o europeu e o negro.  

As toadas falam de proteção à floresta, lendas amazônicas e representam a vida do Amazônida, mesclado com a tradição dos povos indígenas. Há exaltação à natureza e às raízes do bumba-meu-boi – festa que deu origem ao festival em Parintins. É o uso do folclore como bandeira de luta do povo nortista pelo direito de se viver do jeito que é. Uma homenagem ao caboclo amazônico na luta diária pela subsistência.

De acordo com o mestre em artes cênicas da Universidade Federal de Uberlândia, Fábio Baraúna Bentes, o folclore parintinense conduz ao encontro da imaginação, dos mistérios e sorrisos de um povo amável e sereno.

“Neste mesmo caminho, curiosidades interessantes da história da Ilha de Parintins surgem como suporte e como fator que ajudam a compreender o devaneio do artista parintinense, uma vez que o mesmo mergulha na crendice de seu povo e a transforma em arte”, relatou em um trecho da sua dissertação de mestrado.

As grandiosas alegorias – que ganham forma por meio de módulos na arena e possuem mais de 25 metros – deixam boquiabertos turistas e até os nativos que se surpreendem com as novidades reservadas pelos artistas todos os anos. Nada se repete na arena: um exemplo de originalidade e criatividade.

Montadas diante do público, as peças vão se encaixando como um quebra-cabeça perfeito. As criaturas ganham vida por meio de movimentos que imitam a realidade. O homem interage com o lúdico formando uma representação da vida na região. A criatividade parintinense é reconhecida mundialmente e a cidade é celeiro de talentos cobiçados por outras manifestações culturais pelo mundo. 

“A brincadeira do boi-bumbá exige dedicação e muita pesquisa sobre os elementos amazônicos. Lendas, curiosidades e a história de um povo formam o conteúdo, de acordo com a temática anual, que será apresentado na arena. É uma organização para uma festa que todos os anos ganha um novo significado nas apresentações. A sociedade parintinense está totalmente ligada na criação e manutenção do legado do seu povo, por meio do folclore”, detalhou a historiadora do boi Caprichoso Odinea Andrade – que há mais de 50 anos se dedica integralmente às pesquisas para os enredos contados no Bumbódromo.

Evolução na arena

Cada boi escolhe um tema para defender nas três noites de festival. Em 2019, o Caprichoso levou ao Bumbódromo “Um Canto de Esperança para Mátria Brasilis”, e o Garantido, “Nós, o Povo!”, com o qual garantiu o troféu de campeão. Todos os anos, os dois se apresentam ao público e precisam cumprir um roteiro de apresentação, que contém: celebração folclórica com o auto do boi, a lenda amazônica, a figura típica regional – onde se homenageia personagens da região – e o ritual indígena. 

Cinco mil brincantes, sendo 2,5 mil para cada boi, dão vida ao espetáculo a céu aberto no meio da floresta. Cada boi tem 2 horas e 30 minutos para se apresentar em cada noite.

Os jurados seguem critérios minuciosos e participam de uma comissão julgadora, cercada por segurança 24 horas. Uma casa fora da cidade é destinada para eles, que chegam na ilha tupinambarana apenas no dia da primeira noite de festival. Além de ficarem isolados com monitoramento de representantes dos bumbás, eles precisam preencher requisitos técnicos de acordo com o núcleo de votação que vão participar.


As galeras dão um toque exclusivo ao espetáculo e também colaboraram ativamente com o resultado do seu boi na arena. Cada uma delas segue as toadas numa sincronizada coreografia. Mesmo rivais, as duas torcidas devem seguir regras, entre elas não interferir na apresentação do outro bumbá. A rivalidade respeitosa entre Caprichoso e Garantido contagia quem vai à ilha da alegria. Visitar Parintins durante o festival é descobrir um lugar encantador no meio da natureza.

Mostra para o mundo o seu folclore como é…

O festival de Parintins ganhou o mundo, principalmente na década de 90, quando o ritmo foi reconhecido no Brasil e em outros continentes por meio das toadas Vermelho e Tic, Tic, Tac. O som envolvente da floresta arrebata os visitantes que vêm ao Festival Folclórico de Parintins. Quem tem o contato com essa experiência única não deixa de retornar à cidade. Um desses turistas está o biólogo carioca Ewerton Fintelman, de 27 anos, que desde 2008 não perde as edições do festival.

“Conheci o festival em 2005 através de um amigo daqui do Rio de Janeiro. Eu fiquei tão apaixonado pela festa que em 2008 ganhei a viagem a Parintins de presente do meu pai. Depois do primeiro, sabia que estaria lá sempre que possível. Ver o festival pela TV perdeu a graça depois disso”.

Ewerton, diferente da maioria do público que fala da grandiosidade das alegorias ou da beleza das tribos, se encantou à primeira vista pelo ritmo quente do boi-bumbá.

“Particularmente, o que mais me contagia é o som. Nunca ouvi nada parecido em nenhum lugar do mundo. O boi-bumbá é, para mim, um ritmo riquíssimo e que tem cada vez mais aglutinado elementos musicais que deixam qualquer apaixonado por música fascinado”. 

História do Festival

O Festival de Parintins surgiu em 1965 com o objetivo de arrecadar fundos para a construção da Catedral de Nossa Senhora do Carmo no município. Entretanto, as brincar de boi-bumbá já era comum desde 1913, como forma de brincadeira nos quintais das casas dos seringueiros. Eram brincadeiras feitas depois de longas jornadas de trabalho. Uma forma de relembrar das raízes de suas terras. Naquela época, o Amazonas recebia milhares de migrantes, principalmente do Nordeste brasileiro. Povos que vieram para a região para trabalhar nos seringais.

 O auto do boi, principal evolução dos bois, conta a história de Pai Francisco e Mãe Catirina (personagens que representam a cultura negra na região no período da escravatura). Grávida, a mulher teria desejado comer a língua do boi preferido do dono da fazenda (representado na festa pelo Amo do Boi). Sem saída, Pai Francisco sacrificar o boi para saciar o desejo de Catirina e não prejudicar a saúde do filho.

Temendo ser punido, pai Francisco pede ajuda de um pajé para reviver o boi. A ressurreição acontece e tudo vira uma festa. A relação da história inicial com o elemento indígena faz a conexão com a regionalidade dos demais elementos cênicos do espetáculo.

O boi Garantido, maior vencedor do festival com 32 vitórias, foi o primeiro a encenar a lenda de Francisco e Catirina, encenação que compõe o ponto alto e tradicional da festa. O Caprichoso, que possui 22 títulos, inicialmente se chamava Galante, mas mudou de nome em 1925.

Itens

Danças de influência indígena, personagens e toadas dão o tom no espetáculo. 21 itens, como a participação das torcidas de cada boi, são avaliados pelos jurados. Existem ainda outros segmentos não julgados, como é o caso do Pai Francisco e da Mãe Catirina. 

Veja quais são os itens julgados pelos 10 jurados selecionados com critérios rigorosos e por pessoas de outros estados:

BLOCO A

Item 01 – Apresentador: é o mestre de cerimônia do espetáculo do boi; responsável por apresentar os outros itens e tudo que ocorrer durante a festa.

Item 02 – Levantador de Toadas: é o cantor; responsável por interpretar as toadas na arena.

Item 03 – Batucada/Marujada: é o grupo rítmico que dá sustentação às músicas através dos instrumentos; no Caprichoso, se dá o nome de Marujada, enquanto no Garantido, se chama Batucada.

Item 06 – Amo do Boi: é o versador, que tira versos no improviso durante a apresentação.

Item 11 – Toada – Letra e Música: cada noite, os bois escolhem uma toada que irá para julgamento e é apresentada de forma especial.

Item 19 – Galera: são os torcedores presentes na arquibancada, que interagem, cantam e contam ponto para a apresentação.

Item 21 – Organização do Conjunto Folclórico: é o conjunto do espetáculo; a unidade de tudo que foi apresentado durante as duas horas e meia em cada noite.

BLOCO B

Item 05 – Porta-Estandarte: a mulher responsável por carregar e dançar com o estandarte do boi-bumbá.

Item 07 – Sinhazinha da Fazenda: no folclore, é a representação da filha do dono da fazenda; uma mulher que se apresenta com um grande vestido rodado e precisa mostrar graciosidade e leveza na dança.

Item 08 – Rainha do Folclore: é a mulher símbolo do folclore que, na sua dança, traz inspirações e ritmos do Brasil.

Item 09 – Cunhã-Poranga: é a índia guerreira da tribo, que dança com garra, força e incorporação.

Item 10 – Boi-bumbá Evolução: é o boi-bumbá, carregado por um homem responsável pelos movimentos, chamado ‘tripa do boi’.

Item 12 – Pajé: o xamã da tribo; homem responsável por uma dança de forte cênica e incorporação.

Item 20 – Coreografia: todas as coreografias e danças realizadas durante a apresentação da noite são levadas em conta nesse quesito.

BLOCO C

Item 04 – Ritual Indígena: é a simulação de um ritual no Bumbódromo de alguma tribo indígena; a apresentação conta com grande alegoria, coreografia e encenação.

Item 13 – Tribos Indígenas: homens e mulheres que apresentam danças e coreografias típicas de tribos de índios.

Item 14 – Tuxaua: uma grande fantasia – chamada de capacete – carregada por uma pessoa; representa o ‘chefe da tribo’; são apresentados três tuxauas por noite.

Item 15 – Figura Típica Regional: homenagem a alguma figura emblemática da região, como pescador, artesão, juteiro, entre outros; a apresentação conta com alegoria e encenação.

Item 16 – Alegoria: todas as alegorias apresentadas durante a noite são levadas em conta para avaliação esse quesito.

Item 17 – Lenda amazônica: representação de alguma lenda típica do Amazonas; apresentação conta com grande alegoria, coreografia e encenação.

Item 18 – Vaqueirada: homens que representam os guardiões do boi; se apresentam fantasiados com um cavalo e uma lança enfeitada.

Como ir a Parintins?

Para chegar a Parintins, a primeira parada é Manaus. A capital amazonense oferece três formas para ir até a ilha encantada: o turista pode optar pelo barco de passeio (com passagens mais baratas e viagem longa), as embarcações a jato (mais rápidas e preço mediano) ou ainda os voos diretos com saída no Aeroporto Internacional Eduardo Ribeiro com destino ao Aeroporto Júlio Belém.

São milhares de embarcações que levam os torcedores pelos rios da Amazônia e ocupam toda a orla da cidade, formando uma explosão de cores. Lotados, os diferentes meios de transporte chegam todos os dias durante o período bovino e duplicam a população da cidade situada no interior do Amazonas, que passa de 100 mil para mais de 200 mil pessoas.

 A demora e o intenso calor não diminuem a animação de quem vai curtir a festa. A batalha cultural entre Caprichoso e Garantido acontece todos os anos em uma arena gigantesca, que tem formato da cabeça de um boi e capacidade para 17 mil espectadores. Quem opta por não ir ao Bumbódromo ou não consegue uma vaga na arena pode conferir a festa  nos telões e palcos espalhados pela cidade. Mergulhe nessa experiência visual no melhor espetáculo da terra.

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